terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Um ateu lusodescendente (2)

Espinosa não é um ateu declarado e tem sido considerado como um panteísta. Postula, na Ética, uma "Substância" infinita a que tanto se pode chamar Deus ou Natureza, Matéria (extensão) ou mesmo Pensamento, entre vários dos seus infinitos atributos. Nega que Deus tenha criado o mundo, o qual se rege exclusivamente por causas naturais, que a alma humana seja imortal e que o homem disponha de livre arbítrio.

Espinosa é, todavia, um homem perigoso, pelas suas ideias e pelas suas inclinações políticas claramente republicanas. Não é só a comunidade judia que o excomunga: também, na tolerante Amsterdão do seu tempo, alguns cristãos (católicos e reformados) e filósofos racionalistas (cartesianos) se afastam dele e o atacam.

Questão 1: De onde vem a mania monoteísta da excomunhão (o chérem judeu ou a excommunicatio católica)?

O núcleo central da ideia de excomunhão é o isolamento do excomungado relativamente à sua comunidade. O excomungado não só é banido, o que acarreta a perda completa dos laços e sentimentos de inclusão e pertença, como os membros da comunidade ficam impedidos de comunicar com ele. Parodiando o Poeta, é uma fogueira que "arde sem se ver". A fogueira da Santa Inquisição, como em muitos casos a fatwa islâmica, tem por objectivo o desaparecimento físico do herege, do ímpio ou do impuro. A excomunhão tem outra função mais subtil: manter a pessoa viva a assistir à sua morte como identidade pessoal a qual se forja, como se sabe, pela criação e manutenção dos laços que nos prendem à sociedade em que vivemos.

O Index Librorum Prohibitorum é uma forma ligeira de excomunhão: não separa a comunidade do excomungado mas dos seus livros, cuja leitura passa a ser proibida. Funciona como medida preventiva que isola os crentes e a comunidade dos focos de infecção e impureza.

A hipótese com que estou a trabalhar é a de que se trata de um ritual compulsivo de purificação. Mas isto é ainda uma explicação muito superficial: se o monoteísmo é, ele próprio, o agente virulento que agride a mente humana e a conduz à loucura, não constituirá a reacção descrita uma defesa adaptativa às ameaças à sua sobrevivência? Esta nova hipótese leva à

Questão 2: A mania monoteísta da excomunhão não estará ela própria enraizada no mito bíblico da expulsão do Paraíso? A questão é muito interessante e será abordada mais tarde.

1 comentário:

  1. Espero que abordes o mais cedo possível esta Questão 2. Porque me parece ser a mais plausível e, ao mesmo tempo, bastante actual.
    De facto, embora se desconheçam números reais, apoiados por estudos insuspeitos, a excomunhão voltou a estar na ordem do dia e começam a aparecer os primeiros testemunhos - naturalmente sob anonimato que as perseguição a pé ou de bicicleta (as mais usuais), a prisão domiciliária ou de ventre , interrogatórios à porta fechada com torneiras abertas e torturas diversas para todos os gostos, feitios, idades e sexos, não são fantasia nenhuma.
    Eu próprio conheço um caso, com todos o ingredientes que aqui descrimino e que, por óbvias razões, apenas direi que se tratava de um mano que foi excomungado precisamente quando se preparava para entrar num Paraíso. Fiscal.

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